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Perfil do trabalho
“Quando criança, no mês em que se findava o outono e iniciava-se o inverno, caminhava pela Asa Sul admirando as folhas das árvores semi-secas que caíam ao solo, criando um tapete natural. Observava os troncos contorcidos das árvores do cerrado que teimavam em sustentar algumas folhas, criando uma visão tridimensional entre o cinza e o verde das poucas folhas que se sustentavam. Pensava na possibilidade de transformar tudo aquilo em arte. Não tinha a noção lógica do resultado. Quadros? Totalmente imagináveis. ” O trabalho produzido por Adriana Brito transcende o ideal da racionalidade. A natureza, o cerrado, as árvores, as folhas são matérias-primas nas mãos da artista brasiliense. Ao fazer a junção das folhas do cerrado - chapéu de couro, folha moeda, pata de vaca, pequizeiro, lixeira, orelha de onça, douradinha etc. - folhas de árvores plantadas pela Capital Federal - jaqueira, mangueira, abacateiro, xixi-de-macaco, amendoeiras etc. -, massa, textura, tintas, Adriana Brito inovou na criação da pura arte plástica. O resultado é a demonstração de sua sensibilidade na consonância e harmonia de materiais totalmente distintos. Com técnicas aprendidas, criadas e aperfeiçoadas no dia-a-dia, Adriana Brito produz um trabalho inusitado. Suas telas são admiradas pela pureza artística e pela alma decorativa demonstradas em suas linhas. “A arte complementou de vez a minha vida” (Adriana Brito) .
Por Moisés Martins.
Desenvolver um olhar sobre a natureza é um desafio do artista plástico. No momento em que ele passa a ver aquilo que todos vêem de um novo jeito, estabelece a gestação de uma produção que sai do abstrato e atinge a concretude. Saber olhar, nesse aspecto, equivale a conhecer e dar forma a um novo mundo. As folhas do cerrado são a grande inspiração da artista plástica Adriana Brito. Nascida em Brasília/DF, em 1968, ela atinge seus melhores resultados na série Rajado. São telas em que a massa e a textura que costuma utilizar abrem mão do figurativo e mergulham num jogo abstrato, no qual as questões se tornam muito plásticas. Isso significa uma progressiva aquisição de recursos e o desenvolvimento de uma linguagem própria em termos de gerar um estilo regido pela coragem de estabelecer uma relação com a realidade mediada pela tela, mas que não se encerra nela, ultrapassando-a em termos plásticos e existenciais. A partir da flora da região central do Brasil, Adriana Brito constrói um universo de elos e possibilidades. Elas são mais ricas quanto mais propõem captar a essência do cerrado, principalmente suas ricas colorações e variáveis. Assim, a beleza da natureza pode ser cada vez mais expressa com técnica e sensibilidade.
Oscar D’Ambrosio, jornalista e mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unesp, integra a Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA- Seção Brasil).
Não sei onde morava ou pelas ruas em que caminhou o acadêmico Marcos Vilaça, quando presidiu o Tribunal de Contas da União. Ele disse, em documentário exibido pelo Canal Brasil, que Brasília não tinha cheiro - Nem fede nem cheira – acentuou Vilaça, para em seguida realçar o fedor do mangue próximo a Olinda, sua terra natal, em Pernambuco. Cheio de saudades e repleto de poesia, prostou-se diante do Mosteiro de São Bento, em Olinda, e ficou a ouvir as badaladas do sino da igreja, arrematando: “Em Brasília, não se ouvem sinos”. Fiquei a imaginar que Vilaça morou em algum condomínio fechado e só saía do TCU para viajar a Pernambuco ou ao Rio de Janeiro, para as sessões ou os chás da Academia Brasileira de Letras. Hoje mesmo, ao abrir a janela às 7h, ouvi o repicar do sino da Igreja de Dom Bosco. Eram badaladas que chamavam os fiéis para a primeira missa do dia. Não me contive e fui andando até lá. Entrei no templo, de beleza e encantamento, e constatei que os acadêmicos também erram e cegam, contaminados pelo vírus do preconceito. Quem caminha pelos amplos espaços gramados e floridos das superquadras e passeia pelo Parque da Cidade sente aromas agradáveis de jasmins e flores do cerrado, retratadas com primor na pintura de Adriana Brito, desde as plantas nativas - chapéu de couro, folha moeda, pata de vaca, pequizeiro, lixeira, orelha de onça, douradinha etc. – até as folhas de árvores plantadas na Capital Federal - jaqueira, mangueira, abacateiro, xixi-de-macaco e amendoeiras. Churrasqueiras improvisadas fazem recender, na entrada das quadras, cheiro de galeto assado que nos faz viajar às feiras de livres de João Pessoa e Princesa. Nos mercados populares, nordestinos resistem aos tempos modernos e mantêm intacta a culinária de guerra herdada dos antigos vaqueiros desbravadores dos sertões: buchada, rubacão, bode com cuscuz e outras iguarias que o doutor Vilaça poderá experimentar, querendo. Brasília tem de tudo, do mais sofisticado ao singular e rústico. É um pequeno mundo fincado no coração do Brasil. Só não tem mangue e lixo nas ruas e talvez, por isso, seu cheiro seja mais leve que o das antigas cidades.
Miguel Lucena – Delegado da Polícia Civil do DF e jornalista. |